domingo, 27 de fevereiro de 2011

MEL

Carmella voltou. Dezoito anos se passaram, mas não pra ela. A beleza de seu rosto, seu sorriso e seus absurdamente maravilhosos olhos violeta estão intactos. Não notei uma gordurinha sequer. Ela é divina.Sempre foi e em nada mudou. Não sei se o tempo e a natureza foram tão generosos ou se congelei sua imagem irretocável em meu coração. Fiquei estupefato ontem, quando a encontrei, aliás, ela me encontrou. Estava descendo aquela avenida rumo ao Shopping Center e não sei como, dentro daquele carro de vidros escuros, ela me viu, nem sei qual a marca. Nunca entendi nada de carros e não seria ontem que notaria algum detalhe, a não ser o estofamento em couro.
Nos conhecemos no ônibus, o amarelinho, um circular que fazia um percurso ligando o centro de minha cidade com diversos bairros. Existia um rapaz portador de Síndrome de Down que utilizava diariamente esta linha e gostava de importunar, na sua ingenuidade, é claro, todas as mulheres bonitas. Ingênuo, mas não bobo. E num deses seus afoitos assédios tive que interferir porque às vezes ele se tornava um tanto quanto rude. Nesse dia seu alvo era Carmella e foi assim que nos conhecemos. E assim foi que nos apaixonamos. Desde o primeiro contato.
Lembro-me da última vez que nos encontramos, dia 22 de dezembro de 1992, era uma terça-feira. Saí do trabalho e passei pra pegá-la no seu. Fomos jantar e depois ao lugar onde sempre nos encontrávamos, na mesma suite nº 4, a mesma recepcionista, Judy, a mesma camareira, Adélia. Sempre gentil e sorridente, dizia que admirava nosso amor, que queria um dia ter um igual. E foram três anos de um amor intenso, ah, isso foi.
Naquele dia, Mel (era como eu a chamava) estava apreensiva, reticente, até meio fria comigo. Queria conversar, discutir nossa relação e quando começou, desabou num choro incontrolável. Ela disse que não queria mais me ver, que não suportava mais ter que me dividir com alguém, principalmente porque esse alguém era o meu verdadeiro amor, coisa que eu nunca fiz questão de esconder. E disse que tinha o apoio dos pais e do noivo pra decisão que viesse a tomar em relação à sua gravidez.
E sua decisão foi me deixar. Aquele momento, nosso último, foi um dos piores momentos de minha vida. Ela chorava sem parar, me abraçava com tal aperto, com tanta ternura e tristeza que também chorei muito. Choramos. Por horas. Conversamos muito e sorrimos também. Demos algumas gargalhadas até, quando lembramos dos nossos momentos de encanto, de nossas guerras de travesseiro e de sua cara maquiavélica e sádica quando me afogava na banheira da sempre suite nº 4. Nua, sentada sobre meu peito e afundando minha cabeça naquele mar de água de cheiro e espuma.E linda, a mulher mais linda, que tinha (e tem) o sorriso mais lindo e os olhos mais fantásticos que já vi, como que ametista, contornados com aquele lápis preto, forte e sedutor.
Naquele dia a deixei em casa certo de que aquilo não aconteceria de verdade. Eu tinha certeza que ela não me deixaria, que voltaria atrás em sua decisão. Mas enganei-me profundamente. Passadas as festas de final de ano liguei pra ela, na empresa onde trabalhava e, pra minha surpresa e decepção, ela havia pedido demissão naquele mesmo fatídico dia 22 de dezembro. Liguei pra sua casa então e sua mãe me atendeu e pediu que eu a deixasse em paz, que ela estava sofrendo muito por minha causa. Me disse que ela havia viajado e que não era pra eu saber o seu destino. O meu desespero e o restante da história nem convém contar aqui. Eu tinha uma família, uma esposa que amava infinitamente, um filho maravilhoso e minha filha nasceu logo após e me trouxe de volta a fecilicidade e, por algum tempo nem lembrei-me de Mel, nem de sua gravidez.
O tempo foi cicatrizando essa ferida lentamente, em doses homeopáticas e nunca mais tive notícias dela. Também não fui mais atrás. E só restaram doces lembranças e a angústia de ter um outro filho e não poder ter tido a oportunidade de ao menos conhecê-lo.
Agora ela, do nada, me aparece novamente. E trás de volta as lembranças, as lágrimas, o seu encanto. Outra vez rumamos à suite nº 4 e desta vez não nos amamos. Até sentimos vontade, nos beijamos ardentemente, nos excitamos, mas a razão falou alto. Não tínhamos o direito de nos desrespeitarmos e abrirmos feridas que o tempo tratou de curar.
Ela me disse que o seu amor por mim não diminuiu sequer um milímetro, se é que o amor é mensurável. O anel de brilhante com o meu nome gravado ainda repousa em seu dedo e o pingente com minhas iniciais paira sobre seu peito, mas eu não senti a mesma emoção de outrora. Sei que o meu amor por ela ainda existe, mas não é a mesma coisa. Hoje vivo um amor como nunca dantes e as mazelas que a vida me pregou fazem com eu seja comedido em meus atos. Essa minha doença de amar tão intensamente e amar mais de um amor, duas mulheres ao mesmo tempo, às vezes até três, está sob controle.
Nesta história triste restam duas dúvidas:
- Será que é verdade que ela perdeu nosso filho, como me contou aos prantos? Não sei. Não senti de todo que ela estava sendo sincera. Acho que ela faltou-me com a verdade;
- Será que toda essa história é veridica ou não passa de um breve conto criado em minha mente apaixonada?
Só sei dizer que fatos e personagens que a compoem não são mera coincidência .

Um comentário:

  1. nossa uma história linda e com muito amor,cabe a vc buscar em seu intimo se ela realmente é real ou se são apenas sentimentos que vc alimenta em seu ser e busca em constatnte lutas achar o seu grande amor.Vc é uma pessoa que tem o dom de amar várias ao msm tempo ,mas será que vc é feliz???????

    ResponderExcluir