quinta-feira, 4 de novembro de 2010

CEGO



Ah, quando no breu de meu quarto
Luzes apagadas
Fecho os olhos e viajo
Viajo pra onde quero
Planetas, galáxias, confins de meus domínios, de meus anseios
 Ah, quando no breu de meu quarto
Tenho as mulheres que quero, as mais lindas, as mais mulheres
Todos os prazeres da carne
A volúpia da luxúria
E vejo um mundo sem guerras
Sem fome nem homens
Apenas crianças felizes, quando no breu de meu quarto
Tudo é belo, tudo é lindo
Tudo é vida
Grotões, rios, cachoeiras
Pássaros, deuses alados
Existência fugaz, do ácaro à jubarte
Toda flora, viva fauna
Natureza sem resto
Homem com lixo, sem alma
Quando, afinal, vou perceber a supremacia da criação?
Quando tudo for negro?
Ah, quando no breu do meu quarto
Os cegos é que sabem viver
Seres divinos
Mágicas criaturas
Tão abençoados que não precisam da visão cromática
Pra que comprimento de ondas, do infra ao ultra, Pra quê?
Os cegos sentem a vida
Cada momento, cada instante
Mesmo que num episódio
Eternos
Ah, quando no breu de meu quarto
Penso comigo
Em meus devaneios
Envolto em trevas:
-Por que temos que chamá-los portadores de deficiência visual?
Os cegos não têm deficiência
Têm ausência, superveniência, essência
Poderes supernaturais
Quando no breu de meu quarto, ah!
Tenho tudo e não uso nada
Sei para que servem, mas não uso
Posso tocar, ouvir, cheirar
Sei onde estão
Vejo, mas não enxergo
Nem sinto
Eu sim sou um portador
Não só de deficiência visual
Também de pobreza de espírito
Ah, quando no breu de meu quarto
Sinto uma vontade enorme de arrancar meus olhos
E mandar esse porte à merda
Deixar essa minha deficiência
E viver com sapiência
Tornar-me um cego
Eternamente nas trevas
Mas com toda a luz em meu ser
Ah!
Quando no breu de meu quarto! 






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